terça-feira, 19 de abril de 2011

Inesquecível Dener!



Se você tem pouco mais que 20 anos, provavelmente não deve se lembrar que um negro magrinho e sorridente encantou os campos brasileiros. Esse jovem, de sorriso largo e futebol moleque chamava-se Denner. E eu estava no Canindé quando ele marcou um dos mais belos de sua carreira contra o Santos. E fico feliz de ter guardada em minhas retinas cenas da graciosidade de Dener em campo.

A história desse menino, que teve tão pouco tempo na Terra é tão comum quanto outras. Mas não deixar de ser uma bela história. Afinal, certamente estaria em pouco tempo entre os grandes gênios do futebol mundial e poderia estar facilmente no grupo que levantou a taça do Tetracampeonato Mundial com a Seleção em 1994. Pena que o destino não quis assim...

Com apenas 12 anos, Dener entrou pela primeira vez no Canindé para defender a Portuguesa. Brilhante, já despertava olhares mais atentos. Mas, como todo menino pobre, aos 16 anos precisou abandonar o sonho da bola para trabalhar e ajudar a mãe no sustento da casa. Órfão de pai aos 8 anos ele e os irmãos tiveram que pegar no batente para sobreviver.

Mas Dener não perdia as esperanças. Embora tivesse que abandonar a Lusa, passou a estudar pela manhã, trabalhar à noite e jogar futebol Salão de Salão por cachê na Vila Mariana, pelo Colégio Bilac, onde foi campeão em torneios Intercolegiais como a Copa D'anup - Jovem Pan.

Em 1988, Dener voltou a treinar nas categorias de base da Portuguesa, após uma passagem frustrada de dois meses pelo Tricolor Paulista. Para sua sorte, encontrou nessa volta à Lusa o treinador Antônio Lopes que, treinador da equipe sênior, promoveu o jogador à categoria, transformando-o em profissional. 

E não pense que com isso Dener deixou de lado as categorias de base. Seu talento era tamanho que o franzino menino treinava entre profissionais e juniores. Essa dupla jornada, trouxe a Dener não só o reconhecimento de seu talento, como o presenteou com o primeiro título de sua carreira e do clube na Copa São Paulo de Futebol Júnior, em 1991, quando ainda foi eleito o melhor jogador do campeonato.
Destacando-se em campo com um futebol inteligente e bonito, aos 20 anos foi convocado pela primeira vez para vestir a camisa canarinho. Num amistoso com a Argentina, pintou e bordou e foi trilhando um caminho cada vez mais promissor nos gramados. 

Tanto foi o destaque de Dener em sua volta ao futebol profissional que, em 1993, foi emprestado por por três meses ao Grêmio onde conquistou o seu primeiro título numa equipe profissional. No fim do empréstimo, o jogador retornou à Portuguesa para disputar o Campeonato Brasileiro.

Em 1994, ano derradeiro e com grandes chances de ser convocado para o Mundial nos Estados Unidos, Dener foi foi novamente emprestado, agora para o Vasco do Gama, último clube a defender até sua prematura morte.

Destaque também ao defender a equipe carioca, Dener vinha despertando o interesse de clubes estrangeiros. Após uma reunião em São Paulo com a diretoria da Portuguesa e do Stuttgart, da Alemanha,  que negociavam sua transferência, o atleta passou o fim de semana com a família na capital paulistana. Na viagem de volta para o Rio de Janeiro, o carro dirigido por um amigo perdeu a direção e bateu em uma árvora na Lagoa Rodrigo de Freitas.

Dener, que dormia no banco do passageiro que estava reclinado, foi enforcado pelo cinto de segurança e morreu na hora. Assim, de forma injusta, a vida de um grande craque chegou ao fim. E o futebol brasileiro ficou mais carente.

É fato que ganhamos a Copa em 1994, graças à estrela de Romário. Mas se tivéssemos Dener em campo, certamente, tudo teria sido mais belo e fácil.

Para homenagear o jogador, empresto as palavras do mestre Armando Nogueira que, com genialidade, descreveu com mais propriedade quem foi Dener.

A morte silencia os pés de Dener (Armando Nogueira)

Pés polêmicos. Angelicais.
Não o conheci pessoalmente. Conheço-o, apenas, de colossais cintilações com a bola. Vi-lhe, porém, mil vezes, o rosto na televisão. Tinha olhos de desenho animado. Redondinhos. Duas bolinhas de meia. Levemente, tristes. Olhar de drible. Dissimulado de quem pressentia um golpe traiçoeiro da vida. Morreu dormindo. Só assim mesmo: desperto, teria driblado o destino.
Desde Garrincha, ninguém driblou neste mundo com a graça e a audácia de Dener. Oferecia a bola, sonso e doce manjar. O rival, de bote armado. Infausta missão. Dener saía, fogoso, fagueiro, a versejar com a bola, sua musa. Ela, só dele. Se não era poeta, Dener jogava um futebol poético. Seus dribles hão de pulsar sempre no meu peito que, agora, se consome de tristeza.
É mais uma alegria que se vai do futebol. Como tantas que se foram noutros pés, agora, relembrados, com infinda saudade. Pés poéticos, que reiventaram a árida geometria do futebol. Quando o via a driblar e fintar meio mundo, eu me perguntava, morto de inveja: de que servem meus pés, se Deus não me ensinou a driblar como Dener?
Consola-me imaginar que o anjo que levou Dener deste mundo é o mesmo que alçou os pés de Garrincha, no vôo derradeiro.
Consola-me saber que, enfim, Dener está liberto de chuteiras, de escudos, de críticas, de palmas, de bandeiras. Consola-me, Dener, saber que driblarás, agora, sem tensão,  no silêncio do teu céu. Como Canhoteiro, jogarás de pés descalços. Como Garrincha, peito nu. Intangíveis feito a tarde musical dos campos em delírio.
Três anjos do futebol celestial.
Confesso que tu partes, Dener, sem me ter feito um grande favor. Sempre esperei de ti que, um dia, ainda haverias de driblar, de uma vez, os dois times de um mesmo jogo: o teu e o dos outros; e que haverias de entrar, magnífico, com bola e tudo, nos dois gols, ao mesmo tempo. Porque tua bola, anjo Dener, sempre rolou acima do bem e do mal. Nem derrota, nem vitória. Só devaneio. Tua bola nunca foi a bola dos homens, que é meio de vida. Tua bola sempre foi e será a bola dos meninos, que é fantasia, apenas.
Teus troféus, que eu saiba, foram todos esculpidos no tempo e no vento. Na pureza da grama que florescia de teus dribles. Flor de tantas relvas por teus pés pisadas.
E porque me lembras outro menino, na efêmera eternidade de um drible, despeço-me de ti, com a mesma prece com que me despedi de Garrincha:
Onde quer que estejas, cuida bem de ti, porque, um dia, hás de voltar à brisa dos campos como a lua que volta ao pátio dos poetas.

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