quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Adhemar, o ‘canhão’ do Azulão, acha precoce Copa no Brasil em 2014

Ex-atacante também revela curiosidades de sua carreira, como um contrato com o São Paulo e o que deu errado em sua passagem pelo Corinthians, e conta com orgulho tudo sobre seu projeto ‘Bom de Bola, Bom na Escola’

Por Fernanda Guarda Ribeiro



Um dos grandes personagens da história do futebol brasileiro, que jogou nos tempos de ouro do São Caetano, Adhemar Ferreira Neto, mais conhecido como ‘Canhão’ pela potência de seu chute de perna direita, revela em entrevista exclusiva que acha um erro a Copa do Mundo ser sediada no Brasil em 2014. O motivo seria a falta de preparo no gerenciamento do futebol nacional. “Acho que poderíamos esperar um pouco mais até estarmos mais preparados para receber um evento desse porte. Claro que como adorador do futebol acho o máximo poder vivenciar uma Copa do Mundo de perto, mas, não concordo com a decisão para 2014”, disse o ex-atacante, que não se conforma, por exemplo, com a construção de um estádio na região do Amazonas. “Nem existe um campeonato de futebol lá! É um gasto sem necessidade. Deveriam investir mais nas grandes capitais que sempre vão ter torcida sobrando, como São Paulo e Rio de Janeiro.” 

FALTA DE ORGANIZAÇÃO PODE RELEMBRAR CASO DE SÃO JANUÁRIO
Adhemar compara a triste situação que viveu em 2000, durante um jogo da final da Copa João Havelange contra o Vasco, em que o alambrado do estádio São Januário desabou e deixou muitos feridos.  “Nunca provaram o que realmente causou aquele acidente, mas eu acredito que foi a superlotação do estádio. Sempre existe o jeitinho brasileiro que deixa você assistir a uma partida de futebol mesmo sem ter ingresso, porque conhece um amigo daqui, outro dali. E isso não pode existir na Copa do Mundo. A organização tem que ser bastante rígida”, opina. Relembrando sobre esta partida contra o Vasco, Adhemar confessa que lhe traz tristeza e fala sobre sua convicção de que o cancelamento do jogo – por causada queda do alambrado - e a remarcação de uma nova partida prejudicou o São Caetano na época e por isso eles foram vice-campões do torneio. “Vem um filme em minha cabeça quando lembro disso. Vejo as pessoas machucadas, crianças, e o Eurico Miranda – Vice-Presidente do Vasco na época - enxotando essas pessoas para fora do campo para o jogo poder continuar. Fomos sim prejudicados, pois quase o time todo estava já vendido para outros clubes no dia da nova partida. Tivemos que fazer seguro, caso sofrêssemos alguma lesão, ou seja, estávamos com a cabeça diferente, em outro lugar, e isso atrapalhou muito a concentração para o jogo.”

ADHEMAR CHEGOU A ASSINAR CONTRATO COM O SÃO PAULO
Mas essa é apenas uma lembrança ruim perto das várias recordações boas que Adhemar tem de sua brilhante carreira, como no caso do inesquecível jogo do Azulão contra o Fluminense pela Copa João Havelange, em 2000. Adhemar relembra que naquela semana respondeu a um jornalista sobre qual era o presente de debutante - já que era a primeira vez que ele jogaria no Maracanã - que ele gostaria de ganhar. Sua resposta foi: “Vencer com um gol meu.” E foi exatamente isso que aconteceu, Adhemar, que não era do tipo de jogador supersticioso e até tirava sarro dos colegas que acreditavam que usar a mesma sunga todo jogo traria sorte, por exemplo, entrou em campo inspirado. “Não acredito em superstição não! Eu bagunçava tudo (risos)! Jogava a sunga fora, brincava com os jogadores que tinham rituais (risos). Para mim, cabeça tranquila e concentração é que eram essenciais. Antes daquela partida todos nós estávamos maravilhados com o Maracanã, principalmente com o vestiário, que tinha grama sintética para aquecermos e batermos uma bolinha antes de entrar em campo. Nunca tínhamos visto nada parecido! Mas eu me policiei para não entrar muito nessa onda de deslumbramento e me concentrar apenas no jogo.” O resultado desse comportamento foi positivo e trouxe a tão sonhada vaga para as quartas de final da Copa João Havelange para o São Caetano naquele ano.
No Brasil, Adhemar realmente só se destacou no São Caetano, não jogando em nenhum clube da elite do futebol Paulista ou de outros estados. Mas o ex-atacante revelou que chegou a assinar contrato com o São Paulo Futebol Clube, depois de sua explosão, em 2000. “Poucos sabem, acho que nunca contei isso para nenhum jornalista, mas eu já estava praticamente acertado com o São Paulo. Faltava apenas um detalhe no acordo entre as diretorias dos dois clubes. Mas a preocupação com minha independência financeira pelo fato de eu já ter 28 anos falou mais alto e eu preferi ir à Alemanha, jogar pelo Stuttgart, pois lá ganharia o mesmo salário que no São Paulo só que em dólares.” 

O FURÚNCULO QUE ATRAPALHOU PROFISSIONALIZAÇÃO NO CORINTHIANS
Adhemar Ferreira Neto teve seu primeiro contato com o futebol em 1988, pelo Clube Saltense, mas nesta época nem pensava em ser jogador profissional. Prestou serviço militar nesse período e tinha decidido que ia se dedicar ao militarismo. Mas o regime rígido do ambiente fez com que Adhemar mudasse de ideia e contribuiu para que um grande talento do futebol brasileiro não fosse desperdiçado.  Em 1990 foi convidado por um amigo que jogava com ele na várzea para fazer parte da equipe de juniores do Estrela de Porto Feliz, e foi aí que ele decidiu se dedicar ao futebol. “Não vou ser hipócrita, nunca passou pela minha cabeça chegar aonde eu cheguei.” Adhemar atuou durante três anos no Estrela e carrega um fato bastante curioso que fez sua vida mudar completamente. “Pouco antes de um jogo da equipe profissional do Estrela, o furúnculo do centroavante do time expeliu e eu era o único atacante disponível no elenco do clube. Nesse momento esse furúnculo me ajudou! (risos).”
O seu bom desempenho no clube do interior paulista trouxe um reconhecimento e ele foi chamado para jogar pelos aspirantes de um dos maiores clubes paulistas, o grande Corinthians, em 1993. Mas é aí que se explica o porque o tal furúnculo o atrapalhou e porque ele não se profissionalizou no Timão. “Eu fui bem na equipe dos aspirantes do Corinthians. Todos do time foram, tanto que todos subiram para o profissional, menos eu, que não pude jogar a Taça São Paulo. Isso porque nas regras da época, o jogador que já tivesse atuado como profissional em qualquer clube não podia participar do campeonato. É, o furúnculo me atrapalhou também (risos).” 

IDADE AVANÇADA FOI POSITIVA PARA ADMINISTRAÇÃO DA CARREIRA
Depois de uma passagem rápida pelo São Bento, Adhemar chegou ao São Caetano, em 1996, quando o time estava em uma má fase e a gestão do clube tinha acabado de ser mudada.  As temporadas de 1996 e 1997 foram ruins para o São Caetano e Adhemar acabou sendo emprestado ao Ponta Grossa, do Paraná, em 1998. Somente com 28 anos, em 2000, quando voltou ao São Caetano, que sua carreira começou a decolar. O ‘Canhão’ surgiu e por isso Adhemar pode ser considerado um guerreiro e batalhador. “Deus que preparou o meu sucesso, pois realmente eu já estava com uma idade que para o futebol já é avançada. O meu treinador no Stuttgart mesmo ficou assustado quando soube quantos anos eu tinha e me perguntou de primeira e que eu estava fazendo ali.”
Mas Adhemar enxerga que seus 28 anos contribuíram muito para seu sucesso.  A maturidade foi um fator essencial para saber lidar com certas situações que a vida de jogador de futebol proporciona. “Eu já era casado, tinha filho e soube administrar a carreira. Tinha dias que havia gravações de três programas ao vivo diferentes na minha casa! E eu lidei bem com isso. Acho que se fosse mais novo seria diferente.” Adhemar relembra que a rotina entre o trabalho e a família foi complicada, mas, ele conseguiu driblar o pouco tempo e conseguia realizar as muitas tarefas como, treino, entrevistas, e dar atenção ao seu filho, justamente por ser mais velho. “Eu tinha serenidade para tomar decisões. Cheguei até a dar dicas para repórteres jovens que vinham me entrevistar apenas com uma pequena câmera de mão e sem nenhuma bagagem. Aquele garoto que está hoje no CQC, da Band, o Felipe Andreolli, foi um deles! Eu me sentia seguro para lhe dar dicas de perguntas e de enquadramento. Se eu fosse mais jovem ficaria tão perdido quanto ele no começo de sua carreira (risos).”
Geralmente o que mais muda na carreira de um jogador de futebol de sucesso é a falta de privacidade que vem com o reconhecimento. Com Adhemar não foi diferente. “O sucesso para mim tem dois lados, o prazer de ser reconhecido, pois mesmo de boné, em qualquer lugar que eu fosse sabiam quem eu era e me abordavam, mas, também perdi um pouco minha privacidade.” Além de seu reconhecimento no Brasil, quando foi para a Alemanha também era famoso. Outra dificuldade que Adhemar superou facilmente por ser um pouco mais velho foi o aprendizado de outros idiomas enquanto estava no exterior. “Eu percebi que era importante eu me libertar do tradutor um pouco. Todo jogador deve ter interesse em estudar e aprender novos idiomas. Isso é algo de muito positivo que o futebol proporciona ao jogador.”
- Mas e na Coréia e no Japão, quando jogou pelo Seognam Chunma (2004) e Yokohama Marinos (2005), respectivamente, aprendeu a falar essas línguas também Adhemar? “Ah aí não teve jeito (risos)! Eu precisei realmente do tradutor!”

A FALTA DE INFORMAÇÃO E DE UM BOM EMPRESÁRIO
            Apesar de já ser mais velho, a falta de informação e da profissionalização dos empresários e gestores de carreiras de jogadores da época, atrapalhou um pouco Adhemar. Quando assinou o contrato com o Stuttgart, em 2001, se preocupou apenas com o salário e não com as leis do país que estava indo morar. “Eu não sabia que na Alemanha 50% do imposto é retido na fonte. Ou seja, eu tive que pagar boa parte do meu salário para o governo e isso me prejudicou um pouco.” Adhemar aproveita para dar exemplos de jogadores em ascensão atuais que devem pensar bem antes de irem à Europa. “O Neymar, por exemplo, se for para algum time estrangeiro terá que pagar uma carta tributária alta, portanto, ele precisa ganhar mais que o dobro que ganha no Santos para compensar.” Porém, o ‘Canhão’ acredita que atualmente há melhores profissionais cuidando das carreiras desses jogadores, além da internet, que ajuda muito para se obter informações. “Hoje você procura por um time na internet e aparece tudo sobre ele. Na minha época não existia isso. Só quando eu cheguei na Alemanha que descobri que o Stuttgart estava quase rebaixado. Na hora da assinatura do contrato apenas falaram para mim que o time estava em uma má fase.” 

O NASCIMENTO DE UM TORCEDOR APAIXONADO PELO AZULÃO
Com 68 gols, Adhemar é até hoje o artilheiro da história do São Caetano e confessa que por causa de tudo que viveu no clube criou um carinho por ele e se tornou um torcedor. “As dificuldade que nós tínhamos na época, a forma como tudo aconteceu, criou um sentimento. Eu torço sim pelo São Caetano e até hoje tenho contato com o pessoal de lá, sempre que posso vou ao clube. Estou até triste com a situação que a gente se encontra”, desabafa Adhemar, sobre a má fase do São Caetano que disputa a Série B do Campeonato Brasileiro.
Para o ex-jogador, não foram mais revelados craques como ele pelo Azulão devido a falta de identificação que os jogadores têm hoje com os clubes. “Eu fiquei quase 10 anos no São Caetano, contando minhas idas e vindas. São poucos que fazem isso hoje. A maioria dos jogadores faz uma boa temporada em um clube e já são transferidos.” O eterno ‘Canhão’ do Azulão revelou que sonha em um dia ser Presidente do clube. “Quero aprender mais sobre gerenciamento, toda a parte burocrática, saber como lidar melhor com jogadores e depois quero sim ir atrás para me candidatar Presidente.”
– E o que a diretoria do São Caetano pensa sobre isso? “Ah eu nunca falei diretamente para eles, somente para a imprensa. Acho que se eu falar pode atrapalhar”, arrisca.   

O MISTÉRIO DO HIPERTIREOIDISMO  
O fim da carreira de Adhemar como jogador profissional se deu em 2006, com 35 anos,  quando ele começou a perder muito peso jogando no Japão e, ao voltar para o Brasil, foi detectado que ele tinha hipertireoidismo. A descoberta da doença abalou muito Adhemar, que não pretendia parar naquela época. “Eu queria continuar, mas tinha medo, pois meu coração ficava muito acelerado.” O caso de Adhemar é até hoje raro no futebol, já que a maioria dos jogadores apresenta hipotireoidismo – como no caso de Ronaldo Fenômeno – tanto que foi levado para análise da medicina esportiva. Nenhum médico conseguiu identificar o porque ele desenvolveu a doença.  “Alguns disseram que é genético, mas, não há histórico de hipertireoidismo na minha família. Eu acho que é a alimentação que causou isso.”
Na opinião do ex-jogador o aumento repentino do consumo de iodo -existente nos peixes e frutos do mar em geral - na época que morou em países orientais pode ser uma explicação. “Nenhum médico conseguiu me provar que não era a alimentação. Tanto que somente tomando hormônios não é controlada a doença. Eu tive que parar de tomar café por exemplo. Ou seja, alguma coisa com alimentos tem a ver.” Até hoje Adhemar toma doses hormonais para controlar o seu metabolismo e sofre com os efeitos colaterais e a mudança constante da dosagem do remédio. “Falta de sono, transpiração, tem vários efeitos no organismo. Hoje eu consigo bater uma bolinha de brincadeira, pois percebo quando estou bem ou quando estou com os hormônios lá em cima. Mas na época que jogava era impossível .” 

ORGULHO DO PROJETO ‘BOM DE BOLA, BOM NA ESCOLA’
Depois que deixou o futebol profissional Adhemar decidiu fundar um projeto com crianças que incentiva alunos a estudarem e aprender a jogar futebol. O ‘Bom de Bola, Bom na Escola’ desde agosto de 2007 da oportunidade para garotos de 1ª a 8ª série, com médias escolares acima de 7 e um atestado médico comprovando que podem praticar futebol, de aprender a jogar bola com um super profissional como Adhemar. A ideia surgiu com a posse de uma grande área livre em Porto Feliz. “Cheguei a pensar em construir algumas casas no local para depois alugá-las. Mas percebi que isso só beneficiaria a mim mesmo. O projeto foi a melhor coisa que fiz, pois  não tem nada mais prazeroso do que ser abordado por um garotinho na rua me falando que tirou 10 em português, 8 em matemática... Isso me renova!”
Atualmente o ‘Bom de Bola, Bom na Escola’ conta com 120 crianças e Adhemar participa ativamente de todos os departamentos do projeto. “Eu sou o Presidente, o treinador, o amigo, o psicólogo, o tio (risos). Faltam profissionais para ajudar. Tem um amigo meu que jogou comigo no Estrela, o Paulo Roberto, que divide as tarefas comigo. Um dia ele monta o treino, no outro sou eu, a gente se reveza.” Os alunos quando ficam sabendo que seu professor tinha apelido de ‘Canhão’, ficam curiosos para aprender como ele fazia para chutar tão forte. “Não tem uma técnica exata, mas, eu tento ensinar. É claro que eles querem saber como chutar igual ao Tio aqui (risos). Se eu soubesse exatamente como ensiná-los todos os clubes iam querer me contratar não é? Mas eu acredito que potência é dom. Claro que pode-se trabalhar com a repetição para também se alcançar bons resultados, como no caso do Rogerio Ceni e do Marcelinho Carioca, por exemplo.”
Alguns alunos do projeto, que revelaram um talento incomum, já foram encaminhados para treinar em clubes e já são da Traffic, uma das maiores empresas de gerenciamento de futebol . Apesar do resultado positivo em termos de profissionalizar jovens para alcançar a carreira de jogador, Adhemar garante que o principal objetivo do ‘Bom de Bola, Bom na Escola’ é construir um cidadão. “O mais interessante é que quebra-se um tabu social, pois entre os garotos que treinam comigo há filhos de médicos, advogados, pedreiros, cortadores de cana, ou seja, por causa do futebol crianças de diferentes classes sociais se encontram e se relacionam e eu tenho certeza que são amizades que eles vão levar para a vida inteira.” 

O SONHO COM UMA CIDADE OLÍMPICA
Hoje, aos 40 anos, além do sonho em ser Presidente do São Caetano, Adhemar ainda pensa em criar um programa de humor esportivo, ideia surgida na época em que ele trabalhou como comentarista esportivo do canal BandSports. “O formato seria de perguntas e respostas e colocaria os jogadores em algumas situações complicadas, divertidas, como cantar o hino nacional inteiro (risos). Quantos arriscariam participar, hein?! (mais risos)” O programa já tinha até nome -  Bate e Pronto – mas de acordo com o ex-jogador, seu colega Mauro Beting “roubou” seu nome. “Eles me plagiaram criando o ‘Debate Pronto’ (risos)!”
Outro projeto, bem mais grandioso que Adhemar tem em mente é propor a construção de uma cidade olímpica na cidade em que vive, Porto Feliz, que em sua visão é uma região perfeita, pois fica no meio de São Paulo, Campinas e Sorocaba, que são as maiores cidades do Estado de São Paulo, e perto de dois aeroportos. “O local seria direcionado para formar talentos em todos os esportes, não só futebol, o que está em falta no Brasil, não é mesmo? Lá eles teriam toda infra-estrutura para estudar e morar também. Essa ideia não me sai da cabeça, pois para mim o esporte não são somente vitórias e derrotas. É muito mais que isso. É disciplina, companheirismo e formação de um caráter que é levado para toda a vida.”

Um comentário:

  1. Adhemar era o cara,o cara chutava de longe e não tinha medo de nada,tem mto atacante no dia de hj tem medo de chutar a bola e muito mais e sem contar a forma como ele cobrava falta,era sensacional!
    Abraço
    Igor
    meu blog: http://igoresportes.blogspot.com/ e no twitter @blogdoigor05 pra quem quiser seguir o blog de esportes que tenho

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