Prometo que está será uma das últimas vezes em que escrevo
sobre a tragédia de Oruro. Ainda abalada, penso diariamente no futuro que Kevin
Espalda poderia ter se, em seu primeiro jogo dentro de um estádio, não tivesse
morrido de forma tão brutal.
Sim, é brutal. Já se colocaram no lugar da família dele?
Vamos fazer um exercício: façam de conta que o garoto morto por um sinalizador
é seu irmão ou seu filho. Bom, agora imagem a cena: ele sai de casa, com
autorização dos pais, para assistir um jogo de futebol e realizar seu sonho de
ver uma partida num estádio. A emoção deve ter invadido seu peito. É assim que
acontece a primeira vez que estamos in loco.
O vazio no Pacaembu nos leva a repensar tudo |
Bom, logo que começa o jogo você assiste à festa da torcida
e pensa: ‘como isso é lindo!’. Logo aos seis minutos, seu time leva um gol do
campeão do mundo. ‘Que droga! O jogo vai ser difí...’. Antes de terminar o
pensamento, seu primo grita e você, simplesmente, apaga. Morreu, porque um
inconsequente o atingiu com um artifício de fogo que é proibido em jogos da
Libertadores pela organizadora, a Conmebol.
Em vez de haver silêncio. Os gritos de dor do seu primo se
misturam com os gritos de comemoração da torcida organizada. O jogo da vida de
Kevin acabou. E agora, o que resta? Dor, revolta e senso de justiça. Não seria isso o que você sentiria se tivesse acontecido com alguém de sua família?
Por incrível que pareça, a partida não foi interrompida. Os
negócios do futebol falam mais alto e há dinheiro em jogo. Afinal, quanto vale
a vida?!
Na última semana as discussões giraram em torno de muitas
coisas: violência, segurança, punição, responsabilidade, prejuízos... Mas no
fim das contas, o que realmente estamos discutindo? Kevin não vai voltar. Mas,
temos como missão e honra evitar que outros percam a vida como ele.
Pressionada, a Conmebol puniu o Corinthians e afastou dos
estádios a massa que o impulsiona. Perderam o clube – financeira e
emocionalmente – e o torcedor comum, que só acompanha o time por paixão. Só esqueceu que ela, como entidade, também tem responsabilidade ao lado do dono do estádio, o San José.
As organizadas, responsáveis pelas atrocidades que há
décadas assistimos, continuam impunes. E agora arrumaram um menor de idade para
assumir a responsabilidade. Seria ele mesmo o responsável pela morte do
boliviano? Da forma como tudo foi apresentado é difícil acreditar.
A dor pela perda de uma vida inocente permanece. E a
impunidade e o jogo sujo do esporte também. Afinal, nada de concreto foi – ou será
feito – para evitar novas tragédias como esta. O único a pagar a pesada conta é
o clube que, sim, tem parcela de responsabilidade por seu torcedor,
principalmente quando o financia, como disse em alto e bom som o tio de Kevin: "À medida que o Corinthians financia os
integrantes de sua organizada, que não são torcedores comuns que pagam ingresso
para assistir aos jogos, o clube é responsável pelo que ocorreu".
A lição disso tudo: temos
que mudar! O futebol não pode ser o espaço da intolerância, da violência
gratuita e da impunidade. Os gramados são espaço do espetáculo, da alegria e da
paixão, e devem continuar a ser.
Para isso, todo aquele
que ama este esporte e seu clube deve entoar o coro pelo fim das torcidas
organizadas. Não porque fazemos generalizações e achamos que todos que
pertencem a elas são ruins, mas porque em decorrência de seus erros, perdemos o
encanto.
Essa foi a lição que eu tirei. E você?
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